Okja | Review

Antes de qualquer coisa, é preciso situar aqueles que por algum motivo não puderam assistir o documentário Earthlings – seja por não conhecerem, seja por não terem tido estômago para isso. Bom, eu assisti, mas bloqueei a experiência lá no fundo do meu subconsciente e lido extremamente bem com isso, mesmo que às vezes enxergue alguns flashes bem aterrorizantes enquanto faço minhas refeições.
566“Earthlings” (Terráqueos) é basicamente uma máquina de criar vegetarianos/veganos que foi lançada em meados de 2005. No documentário é mostrado como funcionam fazendas industriais, abatedouros e laboratórios onde ocorrem experimentos científicos  que utilizam animais, tudo isso através de imagens reais muito, muito fortes. A intenção do documentário é comparar nossa relação com os seres vivos dos quais dependemos para a alimentação, vestuário e diversão com relações de dominação como racismo e sexismo, ou seja, ele busca nos convencer que os animais estão no mesmo patamar que nós humanos já que habitamos todos o mesmo planeta.
Da primeira vez que assisti, imaginei que o nome “terráqueos”, dado ao documentário, era baseado em uma comparação dos humanos com os seres alienígenas que, nos filmes de ficção científica, vêm para a Terra apenas para nos destruir, mas nesse caso os animais seriam as vítimas desses seres terríveis que somos nós. O fato é que as duas interpretações funcionam muito bem.
Eis que temos o “Okja”, um filme original da gigantesca plataforma de streaming Netflix – muito conhecida por cancelar várias séries interessantes. Antes de ser chegar a ser lançado, o filme foi à França concorrer à Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes, o fato gerou polêmica entre os puristas do cinema que não aceitaram muito bem a inclusão de um filme que não precisava passar pelas salas de cinema para ganhar um prêmio tão renomado. A mente dos decrépitos anciões da sétima arte não conseguia conceber essa esta situação, assim como os vampiros não conseguem lidar bem com as mudanças das eras. “Okja” foi exibida em Cannes, e mesmo tendo sido recebida por vaias, ganhou diversas críticas positivas.
okja
O filme é um sul-coreano dirigido por Joon-ho Bong. Que conta a história da pequena Mikha (An Seo Hyun) que cresceu junto com um enorme animal chamado Okja no interior da Coréia do Sul como parte da estratégia de marketing de um multinacional do ramo alimentício, que teve como objetivo lançar seu produto mais extraordinário: O superporco – um animal que seria capaz de causar o mínimo de impacto ambiental e que teria um gosto “bom para caralho”.  Okja acaba sendo escolhida entre os diversos outros superporcos espalhados pelo mundo para ser apresentada aos consumidores, e é aí que um grupo de ambientalistas decide intervir e mostrar a verdade por trás do belo discurso criado pela multinacional.
Tudo começa de uma forma fofa e divertida, mostrando a relação de Mikha e Okja com a natureza, e só muda para ficar ainda mais divertida quando os integrantes da Frente de Libertação Animal (ALF em inglês) aparecem para ajudar a garota a reencontrar sua amiga gigante que foi levada para os Estados Unidos, entre eles “J” (Paul Dano, o irmão mais velho da pequena Miss Sunshine) e “K” (Steven Yeun – Glenn de Walking Dead). O Plano? desmascarar Lucy Mirando (Tilda Swinton – a Anciã de Doctor Strange), e até aí tudo parece muito simples: o bem enfrentando o mal, ativistas defensores dos animais desafiando uma multinacional do ramo alimentício. Mas a preocupação do filme não criar esse cenário de forma simples, até porque, se existe uma linha entre o bem e o mal, ela é muito tênue, assim como é a linha do certo e o errado.
Okja apresenta motivações humanas que são construídas a partir de experiências absolutamente individuais que precisam ser analisadas bem além da superficial definição de bem e mal. Lucy Mirando – por exemplo – busca reconstruir a reputação da empresa do pai através de uma atitude menos prejudicial ao meio ambiente, suas motivações estão enraizadas no capitalismo e na exploração de animais que são criados apenas para serem abatidos de forma cruel? Sim, mas isso nunca faria dela uma pessoa 100% ruim em um mundo que ainda depende muito de alimento barato, nutritivo e com baixo impacto ambiental. Assim como os integrantes do ALF no filme não são 100% benevolentes quando deixam de medir esforços para atingir seus objetivos.
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Só para não deixar quem está lendo essa crítica muito perdido – já que eu não quero dar spoilers -, vocês conhecem o caso do biólogo Richard Rasmussen que foi acusado de orquestrar a morte de uma fêmea de boto cor-de-rosa grávida? Então, Rasmussen teria feito isso para chamar atenção da opinião pública para esta prática que era o ganha pão da população de determinada região (que eu não lembro agora qual é) – a carne do boto era usada como isca para capturar um tipo de peixe carniceiro, a piratinga.  Resumo da ópera: o governo federal decretou uma moratória que proibiu a pesca de piracatinga durante cinco anos, a fim de proteger o mamífero em extinção, no entanto, os pescadores tem passado por grandes perrengues para sobreviver.
Depois de contar essa história toda, eu preciso dizer algo extremamente polêmico: a pessoa que diminui sua pegada ecológica não é melhor do que quem não o faz, ela é apenas privilegiada por ter essa escolha. Seja um(a) vegetariano(a), vegano(a), ou alguém que decide consumir menos carne – como eu -, ter tempo, dinheiro e conhecimento para mudar hábitos depende mais de “poder” do que de “querer”. Dessa forma, a massiva maioria da população não é culpada por precisar de um alimento barato como a carne de um superporco, assim como os ribeirinhos não são culpados por terem que apelar à práticas como a caça ao boto cor-de-rosa (um animal tão mítico quanto o unicórnio). Seguindo essa lógica, Lucy responde à necessidade ao mesmo tempo que a alinha com seus interesses capitalistas – e esse é o verdadeiro vilão de Okja-, não a empresária ambiciosa, mas o sistema em que todos estamos inseridos, que se alimenta de desigualdade e produz uma população que em vez de buscar a harmonia com o meio ambiente, busca à sobrevivência todos os dias.
A beleza de Okja está em nos apresentar essa realidade “cinza” – e complicada de se resolver – através da história relativamente emocionante de amizade e heroísmo de uma garotinha que atravessa o mundo para salvar sua amiga. O filme consegue tocar em nossa consciência assim como “Earthlings”, só que de forma mais sutil sem deixar de ser educativo. Um filme para toda a família.
Okja está disponível na Netflix e o trailer você pode conferir clicando aqui.

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